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13 maio 2016

Pausa para cafezinho

Intervalos concedidos não previstos em lei que ultrapassem a jornada de trabalho caracterizam serviço extraordinário.

Muitos empregadores, talvez no intuito de propiciar melhor ambiente de trabalho, concedem pausas para cafezinhos, ao final da jornada, sem qualquer contraprestação salarial.
Não obstante a boa intenção do empregador, a questão deve ser analisada sob o prisma da Constituição e da legislação infraconstitucional que estabelece patamar mínimo civilizatório (II)
O TST em decisão recente, entendeu que os intervalos, no total de dois de 10 minutos, concedidos para o cafezinho, ao final da jornada, são tempo à disposição do empregador e, se ultrapassarem o tempo legal da jornada de trabalho, devem ser pagos a título de hora extra, consoante Súmula 118, TST (I):
“Súm 118. Jornada de Trabalho. Horas extras.
Os intervalos concedidos pelo empregador na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviços extraordinário, se acrescidos ao final da jornada”.
Qual seria a ratio juris dessa decisão? Proteger o tempo livre do ser humano, um direito fundamental não explícito, decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição (art. , § 2º, CF).
O direito ao tempo livre pode ser extraído de alguns dispositivos constitucionais: do princípio da dignidade da pessoa humana (art. , III, CF), do direito de liberdade (de dispor do seu tempo livremente) (art. , CF), do direito fundamental à convivência familiar (art. 226, caput, CF), do direito social ao lazer, à saúde (art. 6º, CF) (III)
O juiz Fernando Antonio de Lima, no julgamento de um processo envolvendo pedido de dano moral pela perda de tempo útil, assevera (IV):
“Além de escasso, o tempo ostenta estas outras características: a) intangibilidade: não é passível de ser tocado; b) ininterrompibilidade: não pode ser parado; c) irreversibilidade: não pode ser revertido; d) irrecuperabilidade. Assim, diferentemente dos bens materiais, o tempo não pode ser acumulado nem recuperado durante uma vida humana. Em razão dessas características (escassez, inacumulabilidade, irrecuperabilidade), o tempo se revela um bem primordial, tão ou quão valioso quanto à saúde física e mental.”
O direito ao tempo livre seria, portanto, inerente ao ser humano, dele inseparável, essencial para o desenvolvimento das potencialidades, do vir a ser de cada um; a sua proteção impõe-se especialmente em atenção ao princípio da dignidade humana e integra o patamar mínimo civilizatório.
Na esfera trabalhista o tempo livre é objeto de proteção jurídica, haja vista decisões que reconhecem a ocorrência do dano existencial, que pode ser definido como aquele decorrente de:
“... Conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal” (V)
Em virtude do reconhecimento da existência do direito fundamental do homem ao tempo livre é que o intervalo para cafezinho, acrescido à jornada pelo empregador, será considerado serviço extraordinário.
(II) Expressão utilizada por Maurício Godinho Delgado em suas obras.
(III) “Dessa forma, o direito à tutela do tempo para desenvolvimento da personalidade humana representa consequência direta dos direitos fundamentais à dignidade e à liberdade do ser humano. Destarte, o dano injusto a esse bem jurídico representa ofensa distinta da esfera patrimonial ou mesmo moral em sentido estrito do cidadão. Aliás, o reconhecimento da autonomia do dano temporal ensejará maior repercussão pedagógica entre os fornecedores na seara da responsabilização civil por perda indevida de tempo, uma vez que o tempo humano passará a ter valor em si mesmo considerado e não por eventuais consequências econômicas ou morais de sua violação as quais poderão ser reparadas conjuntamente, afirme-se in passant” (Maurilio Casas Maia. O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro é dignidade e liberdade. Revista de Direito do Consumidor, ano 23, vol. 92, p. 163).




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