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11 junho 2016

Ser a favor do direito de defesa não significa ser a favor do estupro


Por Rodrigo Bahia de Souza
No dia 27.05.16, participei da campanha de combate a Cultura do Estupro na sede da OAB/PA, em solidariedade às mulheres vítimas de estupro.

Todo mundo concorda que estupro é um dos piores crimes que existem.
Importa revelar que não há estimativas exatas no Brasil quanto as condenações por crimes de estupro, mas nos EUA apenas 0,2% a 2,8% dos casos de estupro terminam com condenações. Esta estatística vergonhosa se deve aos mecanismos culturais de inferiorização da mulher que já conhecemos bem, frutos de uma sociedade historicamente machista, tais como – a vergonha das vítimas, os procedimentos burocráticos lentos e punitivos para a mulher, o medo de ser julgada e a humilhação nas cortes.
A violência de gênero, como bem explica Elder Lisboa Ferreira da COSTA (2014),
“é uma violência sistêmica provocada pelo sistema de índole patriarcal que envolve a sociedade e não permite que ela se liberte dessa mentalidade […] Este tipo de violência à mulher sofre no campo social e no campo das relações que mantêm com outros setores da comunidade. Muitas vezes, essa violência não é velada; portanto, passa despercebida por alguns setores sociais e age de forma silenciosa, corroendo as estruturas que buscam igualdade de gêneros”.
Ainda assim, 99% dos agressores sexuais estão soltos – e eles não são quem você imagina, aquele estuprador que ataca a vítima indefesa em uma rua erma e deserta. A grande maioria deles está nas casas, escolas, faculdades, local de trabalho e até mesmo nos círculos de amizade. Para a criminóloga Vera Regina de ANDRADE (2003),
“historicamente, na sociedade patriarcal, a família tem sido um dos lugares nobres, embora não exclusivo (porque acompanhada da Escola, da Igreja, da vizinhança etc.) do controle social informal sobre a mulher”.
Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos os anos, em números absolutos, por volta de 50 mil pessoas são estupradas no Brasil. Esses são os números oficiais, obtidos a partir da papelada formal. Mas eles não correspondem à realidade. O estupro é um dos crimes mais subnotificados que existem, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estima que os dados oficiais representem apenas 10% dos casos ocorridos. Ou seja, o verdadeiro número de pessoas estupradas todos os anos no Brasil é mais de meio milhão!
Nos EUA, onde existem dados longitudinais, de acordo com o Center for Disease Control and Prevention, uma em cada cinco mulheres vai ser estuprada ao longo da vida.
Apesar de ser uma prática que deve ser combatida por todos, não pode, ao mesmo tempo, ser pretexto para a exclusão de direitos e garantias fundamentais do processo. Nesse cenário, de calamidade pública em face de crimes de repercussão surge um anseio popular que clama por uma resposta do Estado, e a primeira delas, infelizmente, vem a ser o Direito penal, e aí que, Marília MONTENEGRO (2015) ensina que
“o direito penal aparece sempre como a ‘primeira solução’. É preciso penalizar, criar leis, inserir a figura do crime de violência doméstica para acabar com essa impunidade, como se o Direito Penal trouxesse em si uma fórmula mágica e a criação de um tipo penal fosse, ingenuamente, a solução de todos os males sociais. Todavia, a tipificação Penal de certas condutas aparece como uma forma de remendo para problemas arraigados na sociedade”.
Feitas essas considerações, passemos à análise do polêmico caso da jovem que disse ter sido estuprada por mais de 30 homens, lembrando de antemão aos nossos leitores que se trata de um caso que ainda está sendo apurado pela Polícia Judiciária do Rio de Janeiro, necessitando o aguardo da conclusão da investigação, evitando-se qualquer juízo de valor com base apenas e tão somente nas informações divulgadas pela imprensa.
O advogado criminalista carioca Eduardo Antunes, defensor do investigado Lucas, veio diante da imprensa noticiar que o seu cliente não estava presente no ato, e que o vídeo foi gravado por Raí de Souza. Ademais, a casa onde o vídeo foi gravado é um local abandonado onde os jovens geralmente se encontram para ter relações sexuais.
E, mais além, o advogado de Lucas ainda disse que a fala “MAIS DE TRINTA ENGRAVIDOU” (sic) não é referente ao número de homens que abusaram da menina, mas sim umareferência a um funk.
Eu, Rodrigo Bahia, junto com os meus colegas de tribuna Israel Coelho e Allan Barbosa enfrentamos algo parecido ao defendermos um jovem perante o Tribunal do Júri, acusado de tentativa de homicídio.
No caso, o assistente de Acusação juntou aos autos do processo movimentação do Facebook dele com frases de apologia ao crime como se ele fosse um indivíduo perigoso. Entretanto, as frases citadas eram trechos de letras de músicas da banda de Rap Racionais MC’s. E quem conhece Racionais sabe que eles vivem falando de favela, polícia, milícia e o cotidiano duro das periferias do Brasil.
Convém avaliar que o caso do estupro da jovem, apesar de se tratar de um caso grave e repulsivo, em homenagem às regras de convivência e civilidade materializadas nas normas de processo penal devem ser respeitadas e observadas, as partes devem ser ouvidas e as provas colhidas para que não sob pena de que se condenem ou executem inocentes.
A versão da defesa PODE OU NÃO ser verdadeira, mas isso só uma INVESTIGAÇÃO SÉRIA com oitivas das partes e testemunhas de defesa e acusação e levantamento de provas periciais poderá se concluir, se houve ou não violência, se houve ou não indução de consumo de drogas ilícitas, falta de consentimento e comprovação de que a letra da música condiz ou não com o que foi alegado se assim for sequer haveriam 30 homens realizando o ato criminoso.
Por fim, a banalização da violência evidencia que o mundo se faz carente de amor (“tudo que precisamos é de amor, amor é tudo o que precisamos” – John Lennon e Paul MacCartney) e como eu sempre digo o que mata a humanidade é a falta de solidariedade humana e o egoísmo exacerbado. Você pode ver que quando as pessoas falam em matar os criminosos eles imaginam logo o problema acontecendo consigo (estupro da filha ou parente), ninguém pensa na estuprada e na família dela primeiramente…
Daí que a Cultura do Estupro se prolifera nesse mar de ódio, e se esconde no manto maligno do machismo.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
COSTA, Elder Lisboa Ferreira da. O gênero no direito internacional: discriminação, violência e proteção. Belém: Paka-tatu, 2014.
MONTENEGRO, Marília. Lei Maria da Penha: análise criminológico-crítica. 1. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015.


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