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17 junho 2016

A proposta que altera o Estatuto do Idoso é mais um exemplo



Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 5510/2013 que propõe alterar o artigo 94 do Estatuto do Idoso.

Art. 1º Esta lei altera o artigo 94 da Lei nº 10741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso.
Art. 2º O artigo 94 da Lei nº 10741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 94 - Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Parágrafo único. É vedada a aplicação de quaisquer medidas depenalizadoras (sic) e interpretação benéfica da legislação de regência ao autor do delito, ainda que a sanção máxima cominada não seja superior a dois anos e a mínima seja igual ou inferior a um ano. (NR)
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação
Ainda que louvável a intenção do projeto, ele revela alguns absurdos. E para melhor compreensão precisamos esclarecer os conceitos.
Primeiro, o que são medidas despenalizadoras? Estas são aquelas medidas que afastam a pena. Afastam a pena, mas não a punibilidade. Medida despenalizadora, desta maneira, é diferente de medida descriminalizadora.
A lei 9.099/95 apresenta-nos 3 medidas:
  • Composição Civil dos Danos (Art. 74)
  • Transação Penal (Art. 76)
  • Suspensão Condicional do Processo (Art. 89)
Segundo, o que é interpretação benéfica da legislação? É o princípio que em qualquer interpretação da lei penal a que deve prevalecer é a que beneficiar o réu. Tanto é assim que o artigo XL, da CF fala que ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Não é diferente o Código Penalquando, em seu artigo , fala que “a lei posterior, que e qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
A doutrina não deixa de tratar do assunto:
“Mas, se a constituição federal manda a lei penal mais benéfica retroagir sempre, o que se pode afirmar é que apenas o dispositivo benéfico retroage, irretroativo o mais severo. O desejo da lei maior é que retroaja a norma mais benéfica, e não o texto integral, a não ser que fosse ele, integralmente, mais favorável. Se num mesmo texto há vários dispositivos, uns benéficos, outros prejudiciais, é claro que só aqueles retroagem. Ao combinar os dispositivos de duas leis, o juiz não cria uma terceira lei, mas apenas obedece ao preceito constitucional, maior, que não manda a lei retroagir por inteiro, mas determina a retroatividade de todo e qualquer dispositivo legal que vier favorecer o réu. A conclusão é que o juiz não só pode, como tem o dever de aplicar os dispositivos mais benéficos ao acusado, não importa se estiverem contidos em duas, três ou quantas leis diferentes.” (Gr.) (TELLES, Ney Moura. Direito Penal- parte geral. Vol I. São Paulo: Atlas, 2004, p. 107,108)
Pois bem: este projeto de lei 5510/2013 não faz sentido! O paragráfo único diz que
é vedada a aplicação de quaisquer medidas depenalizadoras (sic) e interpretação benéfica da legislação de regência ao autor do delito, ainda que a sanção máxima cominada não seja superior a dois anos e a mínima seja igual ou inferior a um ano. (NR)
Vamos à crítica por partes:

É vedada a aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras.

Vedada como? As medidas despenalizadoras são aplicadas caso concreto a cada caso, de acordo com a extensão da ofensa, bem como a sua gravidade.
Uma das medidas despenalizadoras é a Suspensão do Processo. A lei 9.099/95, artigo 89, diz que
nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.
Isto é, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena, o MP propõe a suspensão do processo pelo prazo de 2 a 4 anos; no entanto, o processo ficará suspenso até que sejam cumpridas as condições legais.
Desta maneira, como pode um projeto de lei propor que nenhuma medida despenalizadora poderá ser aplicada?

É vedada a interpretação benéfica da legislação ao autor do delito.

Oi? Como? Aí, como supracitado, dar-se-á uma pancada na Constituição e no Código Penal. Qualquer interpretação, de qualquer lei penal, deve beneficiar o réu. É um absurdo jurídico que o Estatuto do Idoso, por mais bem intencionado que ele seja, venha a diminuir ordem Constitucional e doutrina alinhada quanto ao referido assunto.
Baseando-se em Von Liszt, ao lecionar que a fórmula mais exata leva o juiz a fazer uma aplicação mental das duas leis que conflitam – a nova e antiga-, verificando, no caso concreto, qual terá o resultado mais favorável ao acusado,mas sem combiná-las, evitando-se a criação de uma terceira lei ( cf. Lecciones de derecho penal, p. 98-99)(Gr.) ( NUCCI, Guilherme de Souza. Código penalcomentado – versão compacta. São Paulo: RT, 2009, p. 48)
É indispensável investigar qual a que se apresenta mais favorável ao indivíduo tido como infrator. A lei anterior, quando for mais favorável, terá ultratividade e prevalecerá mesmo ao tempo de vigência da lei nova, apesar de já estar revogada. O inverso também é verdadeiro, isto é, quando a lei posterior foi mais benéfica, retroagirá para alcançar fatos cometidos antes de sua vigência” (BITTENCOURT. Tratado de Direito Penal. 2007. P. 162).

Em resumo

Nossos legisladores precisam levar a Constituição Federal mais a sério. E precisam estudar muito o Direito Penal.

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