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16 junho 2016

O jornalismo sensacionalista fere os direitos dos presos e transforma os espectadores em fantoches.


Há muito tempo que se discute o papel (des) informativo do jornalismo policial em nosso país.
Estes programas são apresentados por gente que se apresenta como justiceira e que propaga todo tipo de ódio e discursos inconstitucionais que atentam contra a dignidade da pessoa humana.
Morássemos nós em um país sério nenhum programa deste estaria no ar, mas o fato é que o povo gosta... O que faz sucesso por aqui é jornal, escrito ou televisivo, que mostre “a bagaceira”, o sangue e todo o terror do crime.
Poderíamos discutir acerca das razões pelas quais a violência na televisão atrai muita gente e dá muitos lucros, mas proponho a discutir outro ponto: o direito do preso provisório.
É direito de todo preso provisório – e dos não provisórios também – ter a sua integridade moral preservada. A do preso provisório ainda mais, porque condenação alguma lhe alcançou e, desta forma, para todos os efeitos, o tal é inocente. Acontece, no entanto, que muitos destes são expostos em jornais impressos, virtuais ou televisivos de todas as formas atentatórias à dignidade da pessoa humana. E repito: morássemos num país nenhum programa faria circular a imagem de alguém preso, algemado e ridicularizado em horário algum do dia.
O que diz a Constituição Federal? De acordo com o art. 5º, inciso XLIX, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
O que diz a Lei de Execução Penal?
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
E afinal de contas, o que é sensacionalismo? Em apertada síntese, o sensacionalismo pode ser descrito como o hábito ou mania de causar sensações. Consiste em um sistema que dá prioridade às sensações em todas as experiências conscientes.
Mas, sem cerimônias, o sensacionalismo é um mecanismo de tratamento da informação utilizado pela mídia com o objetivo de alcançar audiência que será convertida em capital. Como isto ocorre? Através da exploração de informações que não são de interesse público, aí são utilizadas técnicas de dramaturgia através da criação de personagem que formam uma narrativa capaz de envolver, criar opiniões, consenso e sentimentos no público.

O que o sensacionalismo faz com o preso? Transforma-o num personagem indigno de respeito, onde, por meio de músicas de fundo e de um espetáculo do apresentador, todo um terreno é preparado para que os espectadores do programa tenham exatamente o sentimento que o dono do programa quer: a aversão pelo personagem colocado diante das telas.
Com o sensacionalismo há a formação da opinião pública e, com ela, a sentença popular, com conteúdo de atentado à dignidade da pessoa humana, produzida pela mídia. E isto é importante: o jornalismo sensacionalista além de ferir os direitos dos presos ainda transforma os espectadores em fantoches.
Dizia Angrimani em seu livro "Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa", p. 10, que
a linguagem sensacionalista não pode ser sofisticada, nem o estilo elegante. A linguagem utilizada é a coloquial, não aquela que os jornais informativos comuns empregam, mas a coloquial exagerada, com emprego excessivo de gíria e palavrões. Como se verá adiante, a linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a proteção da neutralidade. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver emocionalmente com o texto, uma linguagem editorial ― clichê.
Não há verdades em jornalismo sensacionalista, não há informação – só manipulação para gerar receita aos cofres das emissoras.
Ainda conforme Angrimani
Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que super dimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com qualquer fato e a ―notícia é elaborada como mero exercício ficcional.
É preciso acabar com este acompanhamento que a imprensa faz ao vivo, cobrindo prisões, onde há todo um circo montado para ridicularizar o preso e colocar em segundo plano a finalidade da prisão cautelar que é assegurar a eficácia das investigações e o bom desenrolar do Processo Penal. As prisões, por meio destes programas, passam a desempenhar um efeito sedante da opinião pública pela ilusão de justiça instantânea exercendo uma função absolutamente incoerente e antidemocrática.
O preso provisório – ou qualquer preso – não pode ser tratado como personagem de cinema, como alguém sem direitos, sem vida. Não pode ser demonizado a bel prazer de uma mídia que não quer informar, mas deformar.
A dignidade do preso precisa, sim, ser preservada. E sobre isto há interessante jurisprudência:
Processo: AC 402605 PB 0009515-19.2003.4.05.8200
Relator (a): Desembargador Federal Francisco Wildo
A Polícia Federal tem o dever de zelar pela integridade física e moral do preso, bem como por sua dignidadeFranquear o acesso da imprensa ao pátio interno da polícia judiciária com o intuito de permitir a retirada de fotografias do preso ora apelado juntamente com fugitivos de penitenciária, aliado ao fato de que tais fotografias foram publicadas em jornais de grande circulação do Estado da Paraíba, mormente quando o recorrido indiciado em inquérito policial, no qual posteriormente ficou reconhecida a sua não participação na fuga de detentos de penitenciária local, constitui-se ato potencialmente danoso passível de indenização por danos morais.
E em decisão mais recentepessoas presas provisoriamente no Rio de Janeiro não poderão mais ser submetidas à tradicional sessão de apresentação à imprensa — a não ser que haja uma justificativa.
Se for verificada a necessidade da divulgação da imagem da pessoa presa — que não deve ser de forma vexatória, como ocorre comumente — isso poderá ser feito desde que fundamentada previamente as razões que justificam a restrição do direito à imagem da pessoa. É preciso ter consciência de que a pessoa não perde todos os seus direitos quando é presa. (leia a decisão aqui
Precisamos evoluir, cumprir as leis: a dignidade do preso deve ser preservada e ele deve ser protegido de toda forma de sensacionalismo. É isto!
... o lamentável é quando vemos o próprio advogado do preso, carente de holofote, faz questão de expor seu cliente numa jogada incoerente e antiética de marketing. Sendo eu advogado de um cliente e a mídia fotografando e o expondo eu iria "sair distribuindo processo"... Mas isto é assunto pra outro dia.


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