A Câmara de vereadores de São Paulo aprovou na noite terça-feira, dia 07 de Julho, em votação simbólica, o projeto de lei do vereador Eduardo Tuma (PSDB).
Que inclui o "Dia de Combate à Cristofobia" no calendário oficial da cidade que deverá ser no dia 25 de Dezembro.
Isto veio a causar ira entre os gays e seu grupo de apoio, pelo que buscam manifestar sua indignação por acharem que estão sendo injustiçados, pois assim acreditam que a homofobia continuará.
Por outro lado, esquecem-se de para pra pensar um pouquinho se quer que no Brasil existe uma Lei chamada de "LIBERDADE RELIGIOSA" o que dá liberdade se limites a qualquer tipo de "crença", que como mostra no texto abaixo.
O DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL
Iso Chaitz Scherkerkewitz(1)
Sumário: I - Da liberdade de religião.
II - Da religião na Constituição Federal. III - Da necessária separação
Igreja-Estado. IV - Do ensino religioso na rede pública de ensino.
I - DA LIBERDADE DE RELIGIÃO
A
Constituição Federal consagra como direito fundamental a liberdade de
religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Com essa afirmação
queremos dizer que, consoante a vigente Constituição Federal, o Estado deve
se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão
religiosa, proscrevendo a intolerância e o fanatismo. Deve existir uma
divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religiões em geral), não
podendo existir nenhuma religião oficial, devendo, porém, o Estado prestar
proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões.
É
oportuno que se esclareça que a confessionalidade ou a falta de
confessionalidade estatal não é um índice apto a medir o estado de liberdade
dos cidadãos de um país. A realidade nos mostra que tanto é possível a
existência de um Estado confessional com liberdade religiosa plena (v.g., os
Estados nórdicos europeus), como um Estado não confessional com clara
hostilidade aos fatos religiosos, o que conduz a uma extrema precariedade da
liberdade religiosa (como foi o caso da Segunda República Espanhola).(2)
O fato
de ser um país secular, com separação quase que total entre Estado e
Religião, não impede que tenhamos em nossa Constituição algumas referências
ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso. Tal fato se dá
uma vez que o Constituinte reconheceu o caráter inegavelmente benéfico da
existência de todas as religiões para a sociedade, seja em virtude da
pregação para o fortalecimento da família, estipulação de princípios morais e
éticos que acabam por aperfeiçoar os indivíduos, o estímulo à caridade, ou
simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas próprias
instituições.
Pode-se
afirmar que, em face da nossa Constituição, é válido o ensinamento de Soriano
de que o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso dentro de seu
território, criar as condições materiais para um bom exercício sem problemas
dos atos religiosos das distintas religiões, velar pela pureza do princípio
de igualdade religiosa, mas deve manter-se à margem do fato religioso, sem
incorporá-lo em sua ideologia.(3)
Por
outro lado, não existe nenhum empecilho constitucional à participação de
membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma
relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa
está vinculada. Salienta-se que tal fato não impede as relações diplomáticas
com o Estado do Vaticano, "porque aí ocorre relação de direito
internacional entre dois Estados soberanos, não de dependência ou de aliança,
que não pode ser feita."(4)
A
liberdade religiosa foi expressamente assegurada uma vez que esta liberdade
faz parte do rol dos direitos fundamentais, sendo considerada por alguns
juristas como uma liberdade primária.(5)
Consoante
Soriano, a liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula
as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito
fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas
crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades,
em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da
liberdade religiosa.(6)
O
jurista americano Milton Konvitz salienta que "If religion is to
be free, politics must also be free: the free conscience needs freedom to
think, freedom to teach, freedom to preach — freedom of speech and press.
Where freedom of religion is denied or seriously restricted, the denial or
restriction can be accomplished — as in the U.S.S.R., Yugoslavia, or Spain —
by limits or prohibitions on freedom to teach, freedom to preach-by
restrictions on freedom of speech and press. Political and religious
totalitarianism
are two sides of the same coin; neither can be
accomplished
without the other."(7), ou
seja, não existe como separar o direito à liberdade de religião do direito às
outras liberdades, existindo um inter-relacionamento intenso entre todas as
liberdades por ele mencionadas (liberdade de ensinança, de consciência,
liberdade de pensamento, de imprensa, de pregação etc.).
Jorge
Miranda também relaciona a liberdade religiosa com a liberdade política. São
suas palavras: "Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas
dimensões — compatível, com diversos tipos jurídicos de relações das
confissões religiosas com o Estado — não há plena liberdade política. Assim
como, em contrapartida, aí, onde falta a liberdade política, a normal
expansão da liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada."(8)
É
importante que se perceba que a idéia de liberdade religiosa não pode ser
entendida de uma maneira estática, sem atentar-se para as mudanças de nossa
sociedade. Segundo Soriano: "La libertad religiosa no es lo que
fue ni lo que es hoy; la libertad religiosa es un concepto histórico, como
todas las libertades, que en nuestro tiempo adopta una determinada forma, que
no es la única ni la definitiva. También la libertad religiosa ha passado por
varias etapas que han ido poco a poco enriqueciéndola. Una primera etapa en
la que se reducía exclusivamente a la tolerancia religiosa ante
el predominio de un monopolio religioso confesional: la religión dominante toleraba otros
credos religiosos distintos y ‘falsos’, debido, primero a los imperativos de
orden político, y, después, al reconocimiento de la libertad de conciencia;
una etapa que sustituye a otra del más crudo confesionalismo estatal,
intransigente y militante, representado en Europa por la diarquía del
Pontificado y el Imperio, guardiana de la tradición católica imperante en el
continente hasta las luchas religiosas del Renacimiento. Una segunda etapa de
predominio del pluralismo confesional con el reconocimiento de las distintas
confesiones religiosas: libertad religiosa para las confesiones dentro de un
panorama de relativa desigualdad en el ejercício de las religiones. La
libertad religiosa no está ahora presidida por el signo de la tolerancia en
el ámbito de una única, verdadera y oficial religión del Estado, sino por la
aceptación de la pluralidad de credos dentro del territorio del Estado; con
ello el fenómeno religioso se engrandece y abarca una diversidade de opciones
fideístas y la libertad religiosa se enriquece con la aportación de nuevos
horizontes teológico-doctrinales; pero se trata todavia de un pluralismo moderado,
el pluralismo de las opciones fideístas y del colectivo de los creyentes
exclusivamente. Hay una tercera etapa en la que aún no estamos y cuyos
primeros brotes doctrinales comienzan a aparecer en los momentos actuales, la
etapa delpluralismo religioso íntegro, como la he llamado en otra
ocasión, que representa la inserción de las opciones religiosas no fideístas
dentro del concepto y de la protección de la libertad religiosa."(9)
Para se
falar em liberdade religiosa é importante analisar-se o próprio conceito de
religião, pois conforme ressalta Konvitz, o que para um homem é religião,
pode ser considerado por outro como uma superstição primitiva, imoralidade,
ou até mesmo crime, não havendo possibilidade de uma definição judicial (ou
legal) do que venha a ser uma religião.(10)
Se não
é possível uma conceituação legal do que vem a ser religião, podemos tentar
definir o conceito com apoio na filosofia.
Em
conformidade com as ensinanças de Carlos Lopes de Mattos, religião é a
"crença na (ou sentimento de) dependência em relação a um ser superior
que influi no nosso ser — ou ainda — a instituição social de uma comunidade
unida pela crença e pelos ritos".(11)
Para o
Professor Régis Jolivet, da Universidade Católica de Lyon, o vocábulo
religião pode ser entendido em um sentido subjetivo ou em um sentido
objetivo. Subjetivamente, religião é "homenagem interior de adoração, de
confiança e de amor que, com todas as suas faculdades, intelectuais e
afetivas, o homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu princípio e seu
fim". Objetivamente, religião seria "o conjunto de atos externos
pelos quais se expressa e se manifesta a religião subjetiva (= oração, sacrifícios,
sacramentos, liturgia, ascise, prescrições morais)".(12)
Juan
Zaragüeta, com mais precisão esclarece que "I) La ‘religión’
consiste essencialmente en el homenaje del hombre a Dios. Pero la precision
de esta definición tropieza con la doble dificultad: 1) de definir el
concepto de Dios, de tan múltiple acepción (véase); 2) de determinar en qué
consiste el homenaje religioso. A) A este propósito cabe distinguir: a) la
religión interessada, que busca a Dios como un Poder
superior a los de este mundo, para hacerle propicio (con oraciones y
sacrificios) a los hombres, en el doble sentido de liberarlos de los males y
procurarles los bienes de esta vida; b) la religióndesinteressada, que
(sin excluir lo anterior) busca sobre todo a Dios para hacerle el homenaje —
culto interno o mental y externo o verbal y real, especialmente sacrificial,
privado y público (véase) — de la adoración y del amor de los hombres. B) La
religión: a) no moral, que considera a Dios como el
legislador y sancionador, en esta vida o en la otra, del orden moral y
jurídico, y al ‘pecado’ o infracción de este orden (que incluye también el
religioso) como una ofensa de Dios, que quien cabe recabar su perdón a base
del propósito de volver a cometerlo. Las religiones inferiores se
caracterizan en ambos conceptos por atenerse al sentido a) y las superiores al
sentido b). Hay que advertir, sin embargo, que la religión, incluso en el
sentido b), se presta a ser utilizada hasta por los que no creen en Dios y
para los demás en el concepto de A) b), como fuente de consuelo para el alma;
y en el concepto B) b) como auxiliar del orden moral y político (concepto
‘pragmático’ de la religión). II) Se distinguen también la religión natural y
las religiones positivas, o históricamente existentes; de
las que varias pretenden ser reveladas por Dios con revelación variamente
garantizada, y por ende sobrenaturales, no sólo por el modo
de la revelación, sino también por la elevación con ella del hombre a una
condición de intimidad con Dios (la ‘gracia santificante’, conducente tras de
la muerte a la ‘gloria’ o visión beatifica de Dios) que por su naturaleza no
le corresponde; la religión cristiana descuella como tal religión
sobrenatural. Es de advertir que espíritus agnósticos tocante al dogma de la
existencia o cuando menos de la esencia de Dios, no renuncian a la religión
como sentimento o actitud de dependencia respetuosa del hombre del
impe-netrable. Absoluto imanente o transcendente al mundo que nos rodea. De
esta actitud ha derivado el sentido de ‘lo religioso’ hasta a actos de la
vida profana que se entienden ejercidos con una absoluta seriedad o deberes
cumplidos con escrupulosa diligência."(13)
A
liberdade de religião engloba, na verdade, três tipos distintos, porém
intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a
liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.
Consoante
o magistério de José Afonso da Silva, entra na liberdade de crença "a
liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita
religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também
compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a
liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo.
Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer
religião, de qualquer crença..."(14)
A
liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos
próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de
recebimento de contribuições para tanto.(15)
A
liberdade de organização religiosa "diz respeito à possibilidade de
estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado."(16)
A
liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e
crenças das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não
havendo sequer diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre
religiões e seitas religiosas. Creio que o critério a ser utilizado para se
saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de
determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da
religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o
engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda
a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado.
Por
outro lado, existem organizações que possuem os objetivos mencionados e mesmo
assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa (a
maçonaria é um exemplo desse tipo de sociedade). Penso que em tais casos o
Estado é obrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às
organizações religiosas, uma que vez existe uma coincidência de valores a
serem protegidos, ou seja, as religiões são protegidas pelo Estado
simplesmente porque as suas existências acabam por beneficiar toda a
sociedade (esse benefício deve ser verificado objetivamente, não bastante
para tanto o simples beneficiamento para a alma dos indivíduos em um Mundo
Superior — os atos, ou melhor, a conseqüência dos atos, deve ser sentida
nesse nosso mundo). Existindo uma coincidência de valores protegidos, deve
existir uma coincidência de proteção.
Devemos
ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religião para abranger também o
direito de proteção aos não-crentes, ou seja, às pessoas que possuem uma
posição ética, não propriamente religiosa (já que não dá lugar à adoção de um
determinado credo religioso), saindo, em certa medida do âmbito da fé(17), uma vez que a liberdade
preconizada também é uma liberdade de fé e de crença, devendo ser enquadrada
na liberdade religiosa e não simplesmente na liberdade de pensamento.
Pontes
de Miranda reforça esses argumentos ao afirmar que tem se perguntado se na
liberdade de pensamento caberia a liberdade de pensar contra certa religião
ou contra as religiões. Salienta que nas origens, o princípio não abrangia
essa emissão de pensamento, tendo posteriormente sido incluído nele
alterando-se-lhe o nome para ‘liberdade de crença’, para que se prestasse a
ser invocado por teístas e ateus. Afirma, por fim, que "liberdade de
religião é liberdade de se ter a religião que se entende, em qualidade, ou em
quantidade, inclusive de não se ter."(18)
II - DA RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Para a
análise do tema é conveniente que se traga à colação os dispositivos
constitucionais a ele relativo. Vejamos:
A
Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade
de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos
religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as
suas liturgias.
O
inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.
O
inciso VII do artigo 5º, estipula que ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
O
artigo 19, I, veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal o
estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.
O
artigo 150, VI, "b", veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto,
salientando no parágrafo 4º do mesmo artigo que as vedações expressas no
inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os
serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas.
O
artigo 120 assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos
valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no
parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
O
artigo 213 dispõe que os recursos públicos serão destinados às escolas
públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não-lucrativa e
apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de
seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou
ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. Salientando
ainda no parágrafo 1º que os recursos de que trata este artigo poderão ser
destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da
lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta
de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do
educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na
expansão de sua rede na localidade.
O
artigo 226, parágrafo 3º, assevera que o casamento religioso tem efeito
civil, nos termos da lei.
Cada um
desses dispositivos constitucionais poderia dar origem a uma monografia,
porém, por uma opção meramente didática, optamos, como já se deve ter
percebido, por não tratá-los por tópicos isolados, tecendo comentários sobre
eles no bojo do texto.
III - DA NECESSÁRIA SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO
De
início podemos notar uma falta de sintonia entre a nossa fala inicial,
embasada no texto constitucional, e o que ocorre cotidianamente no Brasil.
Como é
possível se falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se
qualquer folhinha nota-se a existência de feriados oficiais de caráter
religioso. E mais, de caráter santo para apenas uma religião (v.g. dia da
padroeira do Brasil e finados).
Se
existe uma separação entre o Estado e a Religião, será que seria
constitucionalmente possível a existência desses feriados? E como ficam as
datas santificadas das outras religiões: o ano novo judaico, o ano novo
chinês, o período de jejum dos muçulmanos etc.?
Tal
questionamento está sendo feito atualmente pela Igreja Universal do Reino de
Deus. É uma pena que as atitudes da mencionada Igreja estejam também envoltas
em um manto de intolerância religiosa, sendo a discussão sobre a existência
dos dias santificados encarada como uma "vingança" contra a imagem
da padroeira do Brasil. Tal questionamento deveria ser feito no âmbito frio e
racional da Constituição, sem o apelo a lutas religiosas, perseguições etc.
Porém é
bom que se ressalte que Konvitz, citando o Justice Douglas, afirma que a
separação entre o Estado e a Igreja não é absoluta. Ela é limitada pelo
exercício do poder de polícia do Estado(19) (e por outros poderes constitucionalmente
atribuídos a este) e pelas práticas amplamente aceitas como símbolos ou
tradições nacionais e que não seriam abolidas pela população mesmo que não
gozassem de apoio estatal.(20)
Portanto,
se a existência desses feriados é de constitucionalidade duvidosa, tal
realidade é plenamente defensável face ao apego que a maioria da população
tem a essas tradições, sendo que, provavelmente, grande parte da população
não iria trabalhar mesmo que não fosse determinado o feriado.
Creio
não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que
reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por
outras palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de
estabelecimentos nos feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria
vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse
trabalhar, a postura legal lhe seria favorável (abono do dia por expressa
determinação legal), se resolvesse ir trabalhar não estaria obrigado a
obedecer uma postura válida para uma religião que não segue. Pode-se ir mais
além nesse raciocínio. Qual é a lógica da proibição de abertura de
estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determinação religiosa
por trás da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos domingos (dia
de descanso obrigatório para algumas religiões). Como ficam os adeptos de
outras religiões que possuem o sábado como dia de descanso obrigatório (v.g.,
os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar aos estabelecimentos a
abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio legis estaria
assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.
Portanto,
creio que alargando o calendário de feriados e dias santificados para incluir
as datas das maiores religiões existentes no nosso país e tornando estes
feriados e dias santificados facultativos (no sentido de ser feita a opção
entre ir trabalhar ou não), qualquer resquício de inconstitucionalidade
estaria sanado.
Um
problema muito mais grave está na descoberta de qual deve ser a exata postura
do Estado frente às religiões (minoritárias e majoritárias).
Em que
consiste a já mencionada separação de Estado e Igreja? Já vimos que o Estado
brasileiro está terminantemente proibido de subvencionar qualquer religião.
Vimos também que o Estado não pode obstar uma prática religiosa. Não pode
adotar uma religião oficial. Não pode discriminar por critérios religiosos.
Não pode fomentar disputas religiosas. Resta-nos ver o que pode o Estado
fazer.
O
Estado pode cooperar com as instituições religiosas na busca do interesse
público (art. 19, I, da C.F.), ou seja, ele não pode manter relações de
dependência ou aliança, porém pode firmar convênios com as entidades
religiosas quando tais convênios atendam ao interesse público (e não ao
interesse dos governantes). Aliás, pode e deve ter tal postura.
A
experiência judicial americana nos mostra como é difícil delimitar até onde é
constitucionalmente possível e permitido a cooperação entre Estado e
religiões. Vários casos foram levados às Cortes americanas com relação à
leitura da Bíblia (Velho Testamento-sem comentários) em sala de aula(21), com relação ao pagamento pelo
Estado do ônibus escolar em Escolas Católicas(22), com relação ao planejamento das aulas na Escola
Pública para que se abra um espaço para o ensino religioso(23), com relação à distribuição de
Bíblias com o Novo e o Velho Testamento nas escolas(24), com relação ao descanso
semanal(25). Todas as decisões foram
tomadas por uma estreita margem de votos, o que demonstra a enorme polêmica
que envolve o assunto.
Nossa
jurisprudência sobre o tema ainda está engatinhando, podendo ser citados os
seguintes precedentes:
Em
1949, foi impetrado no Pretório Excelso o Mandado de Segurança que recebeu o
n. 1.114. Nesse Mandado um bispo dissidente da Igreja Católica Apostólica
Romana requeria o amparo do Judiciário no sentido de evitar que o executivo
impedisse "as manifestações externas, quais procissões, missas campais,
cerimônias em edifícios abertos ao público etc.," de sua Igreja, quando
praticadas com as mesmas vestes e seguindo o mesmo rito da Igreja Católica
Apostólica Romana. O S.T.F. manifestou-se contrário à pretensão do
impetrante, fulminando com essa decisão a acalentada separação entre Estado e
Igreja. Esta decisão deixa claro como é extremamente difícil a prática do
"jogo democrático religioso", ou seja, se na teoria a separação
Estado-Igreja já estava bem delimitada (desde 1890), na prática essa
separação ainda era feita por linhas muito tênues.
É
importante registrar-se o teor do voto discordante do saudoso Ministro
Hahnemann Guimarães. A transcrição do voto se faz necessária pois vale como
uma aula prática e teórica sobre o tema: "...Daí resultou a providência
sugerida do Sr. Consultor-Geral da República, o Professor Haroldo Valadão,
nos seguintes termos: "Cabe, portanto, à autoridade civil, no
exercício do seu poder de polícia, atendendo ao pedido que for feito pela
autoridade competente da Igreja Católica Apostólica Romana, e assegurando-lhe
o livre exercício do seu culto, impedir o desrespeito ou a perturbação do
mesmo culto, através de manifestações externas, quais procissões, missas
campais, cerimônias em edifícios abertos ao público etc., quando praticadas
pela Igreja Católica Apostólica Brasileira com as mesmas vestes, enfim, o
mesmo rito daquela". Adotando a providência sugerida neste
parecer, Sr. Presidente, parece-me que o poder civil, o poder temporal,
infringiu, frontalmente, o princípio básico de toda a política republicana,
que é a liberdade de crença, da qual decorreu, como conseqüência lógica e necessária,
a separação da Igreja e do Estado. Reclamada essa separação pela liberdade de
crença, dela resultou, necessariamente, a liberdade de exercício de culto.
Devemos esses grandes princípios à obra benemérita de DEMÉTRIO RIBEIRO, de
cujo projeto surgiu, em 7 de janeiro de 1890, o sempre memorável ato que
separou, no Brasil, a Igreja do Estado. É de se salientar, aliás, que a
situação da Igreja Católica Apostólica Romana, separada do Estado, se tornou
muito melhor. Cresceu ela, ganhou prestígio, graças à emancipação do
regalismo que a subjugava durante o Império. Foi durante o Império que se
proibiu a entrada de noviços nas ordens religiosas; foi durante o Império que
se verificou a luta entre maçons e católicos, de que resultou a deplorável
prisão dos Bispos D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D. Macedo Costa,
bispos de Olinda e do Pará. Mas não nos esqueçamos do próprio cisma,
provocado, no século XIV, pelos cardeais rebeldes, em que se elegeu o
antipapa Clemente VII. Assim, a História da Igreja está repleta desses
cismas, está repleta desses delitos contra a fé. Trata-se pois, de delito
contra a fé, como o classificam os canonistas... É o que se dá, no presente
momento. O ex-bispo de Maura, D. Carlos Costa, não quer reconhecer o primado
do Pontífice Romano, quer constituir uma Igreja Nacional, uma Igreja Católica
Apostólica Brasileira com o mesmo culto católico. É-lhe lícito exercer esse
culto, no exercício da liberdade outorgada pela Constituição no artigo 14,
parágrafo 7º, liberdade cuja perturbação é, de modo preciso, proibida pela
Constituição, no artigo 31, inciso II. Trata-se, pois, de delito espiritual,
podemos admitir. Como resolver um delito espiritual, um conflito espiritual,
com a intervenção do poder temporal, do poder civil, que está separado da
Igreja? Os delitos espirituais punem-se com as sanções espirituais; os
conflitos espirituais resolvem-se dentro das próprias Igrejas; não é lícito
que essas Igrejas recorram ao prestígio do poder para resolver seus cismas,
para dominar suas dissidências. É este princípio fundamental da política
republicana, este princípio da liberdade de crença, que reclama a separação
da Igreja do Estado e que importa, necessariamente, na liberdade do exercício
do culto; é este princípio que me parece profundamente atingido pela
aprovação de parecer do eminente e meu ilustre colega de Faculdade, Professor
Haroldo Valadão. Assim sendo, Sr. Presidente, concedo o mandado."(26)
Portanto,
com exceção do Ministro Hahnemann Guimarães, o Supremo Tribunal Federal fez
vistas grossas à necessária separação entre Estado e Igreja, desconsiderando
o próprio texto constitucional, apegando-se a sentimentos individuais não
amparados pela ordem jurídica.
A nossa
Suprema Corte foi novamente convocada a pronunciar-se na Representação n. 959-9
- PB (JSTJ-Lex, 89/251) aonde argüía-se a inconstitucionalidade da Lei n.
3.443, de 6.11.66 que exigia a prévia autorização da Secretaria da Segurança
Pública do Estado da Paraíba para o funcionamento das Tendas, Terreiros e
Centros de Umbanda.
O Ministro
Francisco Rezek, à época Procurador da República, salientou em seu parecer
que: "5. Em termos absolutos, nada existe na norma sob crivo, tanto em
sua redação atual quanto, mesmo, na primitiva, que constitua embaraço aos
cultos africanos, de modo a afrontar a garantia constitucional da liberdade
religiosa.
6. No
máximo, dar-se-ia por defensável a tese do embaraço relativo, e
do conseqüente ultraje ao princípio da isonomia, à consideração de que as
exigências da lei paraibana não se endereçam por igual, aos restantes cultos
religiosos. Para tanto, porém, seria necessário que a conduta do legislador
local parecesse abstrusa e inexplicável, o que, em verdade, não ocorre. Pelo
contrário, a quem quer que não se obstine em ignorar a realidade social,
parecerão irrespondíveis os argumentos do digno Governador do Estado da
Paraíba, à luz de cujo entendimento os cultos africanos ‘são destituídos
de qualquer ordenamento escrito ou mesmo tradicionalmente preestabelecido.
Não contam com sacerdotes ou ministros instituídos por autoridades
hierárquicas que os presidam ou dirijam, nem possuem templos propriamente
ditos para a prática dos seus rituais.
Estes
como textualmente esclarece a própria representação sub judice,
se realizam separadamente, em terreiros, tendas ou Centros de Umbanda,
entidades autônomas e independentes, nem sempre harmônicas nas suas práticas,
fundadas por qualquer adepto daquelas seitas que se considere com poderes e
qualidades sobrenaturais para criá-las. Tais circunstâncias, agravadas pela
ausência de qualquer ministro ou sacerdote, notória e formalmente
constituído, comprometem o sentido da responsabilidade a ser assumida perante
as autoridades públicas, no que concerne à boa ordem dos terreiros,
tendas e Centros de Umbanda. Quis, então, o legislador local, assegurar
no Estado o funcionamento daqueles cultos, mediante o cumprimento de
determinadas exigências, a serem atendidas pelos representantes dessas sociedades,
que passariam, assim, a ter existência legal.
Essas
exigências, feitas em garantia da ordem e da segurança pública, não podem
constituir embaraço ao exercício do culto, no sentido constante do artigo 9º, II, da
Constituição da República, tanto mais quanto a própria lei, no seu artigo 3º,
determina expressamente que, autorizado o funcionamento do culto, nele a
polícia não poderá intervir, a não ser por infração da lei penal que ali
ocorra.’"
O
Pretório Excelso furtou-se à análise do mérito da representação por entender
que a mesma estaria prejudicada pela alteração sofrida no artigo 2º da Lei n.
3.443/66 pela Lei n. 3.895/77.
Ocorre
que a alteração mencionada não teve o condão de sanar a inconstitucionalidade
existente.
Pela
Lei n. 3.895, de 22 de março de 1977, "O funcionamento dos cultos de que
trata a presente lei será, em cada caso, comunicado regularmente à Secretaria
de Segurança Pública, através do órgão competente a que sejam filiados,
comprovando-se o atendimento das seguintes condições preliminares: ...II-b)
possuir licença de funcionamento de suas atividades religiosas, fornecida e
renovada anualmente pela federação a que foi filiado".
Ora,
somente os Terreiros, Tendas e Centros de Umbanda (Cultos Africanos)
deveriam, pela mencionada lei, comunicar o seu funcionamento à Secretaria de
Segurança Pública. Qual é o motivo desta discriminação? É patente que tal
exigência sendo feita exclusivamente aos Cultos Africanos fere o princípio da
isonomia, não importando se a Secretaria de Segurança Pública não tenha mais
que dar a sua autorização para que a entidade funcione. O só fato dos Templos
de uma determinada religião serem obrigados a comunicar o seu funcionamento à
Secretaria de Segurança Pública e outros Templos de outra religião não serem
obrigados a tal procedimento, já mostra um preconceito e um tratamento
diferenciado totalmente injustificados. A fala de que a discriminação foi
feita em razão da "realidade social" é desprovida de conteúdo, não
possuindo pertinência lógica com o próprio tratamento desigual. A expressão
equivale a um "cheque em branco" a ser preenchido a gosto do
sacador.
Quando
o Supremo Tribunal se negou a apreciar a representação, por via oblíqua,
julgou válida a discriminação, fazendo, novamente, tábula rasa de nossa
Constituição.
No
âmbito do Estado de São Paulo pode-se mencionar o Mandado de Segurança n.
13.405-0 (publicado na RJTJESP 134/370) impetrado contra ato do Presidente da
Assembléia Legislativa que mandara retirar, sem oitiva do Plenário, crucifixo
colocado na sala da Presidência da Assembléia.
O
Tribunal entendeu, sem adentrar ao mérito do ato, ser matéria de "âmbito
estritamente administrativo, constituindo, do, ademais, ato inócuo para
violar o disposto no inciso VI do artigo 5º da Constituição da
República".
Apenas ad
argumentandum vale a transcrição de trecho do voto vencido do douto
Desembargador Francis Davis que afirma que o "crucifixo existente na
Presidência da Augusta Assembléia Legislativa é uma exteriorização dos
caracteres do Povo de São Paulo. É a representação de um preâmbulo da própria
Constituição deste Estado, outorgada com invocação da ‘proteção de Deus’. É
ainda, a exteriorização de um Povo que, como deve, cultua sua história, tendo
sempre presente que o Brasil, desde o seu descobrimento, é o País da Cruz.
Isto é, a Ilha da Vera Cruz, e depois, a Terra de Santa Cruz, indicação, em
última análise, de um povo espiritualista, nunca materialista.
Cabe ao
Senhor deputado impetrante defender, na Casa das Leis, esse símbolo
representativo do Povo de São Paulo, que, ao elegê-lo, outorgou-lhe
legitimidade bastante para a defesa, na Assembléia, dos predicados e
interesse de São Paulo, dentre os quais seus caracteres religiosos
(independentemente do credo individual) e histórico."
Com o
devido respeito não creio ser esta a melhor interpretação a ser dada ao
preceito constitucional que invoca a "proteção de Deus". Se é
inegável a tradição cristã do povo brasileiro, também é inegável o
crescimento de outras religiões que consideram a existência de crucifixos e
imagens de santos uma "abominação". É difícil, hoje, precisar
numericamente qual é a religião majoritária. O que se pode afirmar, sem
qualquer dúvida, é que existe uma parcela considerável da população que não
segue mais a religião católica apostólica romana. Com base no nosso progresso
constitucional, pode-se afirmar com segurança que o Estado não deve
simplesmente "tolerar"(27) a existência de outras religiões em seu
território. Deve saber conviver com a multiplicidade de religiões existentes,
tratando igualmente a todas.
A
existência de um Ser Superior é aceita por todas as religiões. As religiões,
basicamente, divergem na forma de se encontrar Deus, escolhendo cada uma seu
próprio caminho. Portanto, concluo que o Estado Brasileiro não pode escolher
aleatoriamente um caminho. Que o lado "espiritual" do povo deve ser
respeitado, estimulado e protegido não há dúvida. O que não se pode fazer é
optar por uma religião em detrimento de outras.
Acredito
estar a razão com o nobre Deputado Estadual Presidente da Assembléia, que
entende que "nenhum símbolo religioso deve ornamentar qualquer próprio
do Estado, em especial a sede de um dos Poderes, exatamente o Gabinete
daquela autoridade que o representa, sob pena de se estar violando a
Constituição."
IV - DO ENSINO RELIGIOSO NA
REDE PÚBLICA DE ENSINO
A
Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º que as
escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum,
como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma
cadeira relacionada ao ensino religioso.
A
Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta
para o Administrador ou para os educadores com relação à forma que se dará o
ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser
facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças
que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem
sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria. Tais indagações ficaram
sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto
constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.
Primeiramente,
é conveniente repisar-se que não existe uma religião oficial no Brasil. Não
existindo religião oficial, não se pode optar pela ensinança dos preceitos de
nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo
ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia
promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público.
Se está
proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do
Constituinte? Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade
para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter
informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por
nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os
fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos
aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum,
aprimoramento do caráter humano etc..
Deixa-se
consignado que a implementação do ensino religioso nas escolas públicas vai
passar por um grave problema que é a falta de bons profissionais, aptos a
transmitir conceitos gerais sobre todas as religiões, sem tentar forçar a
prevalência de suas próprias idéias, ou das idéias da religião que representa
(é conveniente que se atente que à margem da quase inexistência de tais
profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das péssimas
condições generalizadas do ensino de nosso país, que como regra geral,
infelizmente, não oferece a possibilidade da mantença de bons quadros do
magistério dentro do ensino público).
Existe,
por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em
determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o
conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no
Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica,
muçulmana, budista etc., pois só assim os professores estarão, pelo menos em
tese, aptos a transmitir as idéias com um grau relativo de isenção.
Outra
questão que deverá ser solucionada é a relativa a facultatividade da
matrícula. Será que existe a facultatividade constitucionalmente prevista?
Sendo que a matéria relativa ao ensino religioso deverá ser ministrada no
horário normal de aula, aonde ficarão os alunos que não fizerem a opção por
ela? Se não houver uma opção viável, não há que se falar em facultativa. Se a
opção for ficar sem fazer nada durante o período das aulas, ou ainda, ficar
tendo aula de uma das matérias tradicionais, com certeza a
"facultatividade" estará ameaçada.
Por
derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se
noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada
religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada
com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes
religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que por não fazerem
parte da religião majoritária, ou por não possuírem nenhuma convicção
religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças
que ainda estão em estágio de formação de idéias.
Pelos
argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao
determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário
normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo,
pois está em contradição com o bojo da Constituição Federal no tocante à
separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do
Estado vir a patrocinar o proselitismo.
________
(1) Procurador do Estado de São Paulo, Mestre e doutorando em
Direito pela PUC/SP e Professor Universitário.
(2) SORIANO,
Ramón. Las liberdades públicas. Madri: Tecnos, 1990. p. 84.
(3) SORIANO,
Ramón, ob. cit., p. 64.
(4) SILVA,
José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5
ed. rev. e ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989. p. 223.
(5) SORIANO,
Ramón, ob. cit., p. 62.
(6) SORIANO,
Ramón, ob. cit., p. 61.
(7) KONVITZ,
Milton R. Fundamental liberties of a free people: religion, speech,
press, assembly, 2. ed. New York: Cornell University Press, 1962. p.
5.
(8) MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra:
Coimbra Editora, 1988. v. 4, p. 348.
(9)
SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 75-76.
(10) KONVITZ,
Milton R., ob. cit., p. 49.
(11) MATTOS,
Carlos Lopes de. Vocábulo filosófico. São Paulo: Leia, 1957.
(12) JOLIVET,
Régis. Vocábulo de filosofia. Tradução de Gerardo Dantas
Barreto, Rio de Janeiro: Agir. 1975.
(13) ZARAGÜETA,
Juan. Vocábulo filosófico. Madri: Espasa-Calpe. 1955. p. 454.
(14) SILVA,
José Afonso da., ob. cit., p. 221.
(15) Idem,
ibidem.
(16) Idem,
ibidem.
(17) SORIANO,
Ramón, ob. cit., p. 76.
(18) PONTES
DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967
com a Emenda
n. 1,
de 1969. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 123.
(19) A
legitimidade do exercício do poder de polícia já foi declarada nas Apelações
Cíveis ns. 146.692-1/6 e 152.224-1/10, do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, cujo relator foi o Desembargador Andrade Marques. Nos acórdãos
mencionados ficou demonstrada a possibilidade da Municipalidade fechar
templos que não estejam cumprindo as posturas municipais para o seu
funcionamento (falta de alvará, horário, barulho etc.)
(20) KONVITZ,
Milton R., ob. cit., p. 56.
(21) Trata-se
do Doremus Bible-Reading Case quando foi considerada
constitucional a leitura do texto sem comentários, em virtude do espírito
religioso do povo americano.
(22) Trata-se
de Everson case, onde foi questionado se o Estado deve
suportar com o custo do transporte das crianças quando estas freqüentem
escolas religiosas. A Suprema Corte manteve a decisão da mais alta Corte de
New Jersey que sustentou essas parcerias.
(23) Trate-se
do Zorach case onde em 1952 foi considerado constitucional o
planejamento da cidade de New York no tocante ao horário das aulas nas
Escolas Públicas de modo a ser possível o ensino religioso, com expressa
autorização dos pais, fora do horário de aula e fora das escolas.
(24) A
Suprema Corte entendeu ser tal ato inconstitucional por ser um ato sectário
no Gideon’s Bible case.
(25) A
Assembléia Legislativa do Estado de New York decidiu que "In the United
States, as has been manifested in the attitude of the Supreme Court with
respect to Sunday laws, and in its treatment of the New Jersey Bible-reading
case, and in the Zorach decision, separation means
co-operative, not absolute, separation. The most (and the least) that can be
expected is that the law, while preserving Sunday as the Sabbath, will
provide relief for those who observe the seventh day as their Sabbath, by
permitting them to engage in their vocation or business on Sunday, provided
they conduct themselves ‘in such manner as not to interrupt or disturb other
persons in observing the first day of the week as holy time.’" (KONVITZ,
Milton R., ob. cit., p. 81).
(26) PONTES
DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Comentários à Constituição de 1967...,
ob. cit., v. 5, p. 133-135.
(27) É
conveniente que se traga à colação as ensinanças de PONTES DE MIRANDA sobre o
tema: "Os inícios da liberdade religiosa foram simples armistícios, ou
tratados de paz, entre duas religiões interessadas em cessar, por algum
tempo, a luta. Depois, admitiram-se mais uma ou duas ou as mais conhecidas.
Não só: onde uma preponderava, não abria mão do seu prestígio; tolerava as
outras. Era a chamada religião "dominante". Em vez de se falar de
liberdade religiosa, falava-se de tolerância religiosa, espírito de
tolerância e outros conceitos semelhantes. Em 1789, MIRABEAU e TOMAS PAINE
puseram o dedo na chaga. Zurziram as idéias de religião "dominante"
e de "tolerância". O último foi assaz claro e feliz: "A
tolerância" dizia ele, no estudo sobre os Direitos do Homem, "não é
o oposto à intolerância, mas a sua falsificação. Ambas são despotismos. Uma
se atribuiu a si mesma o direito de impedir a liberdade de consciência, e
outra, o de autorizá-la". A "tolerância" era resto de
pensamento despótico." (ob. cit., p. 121-122).
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