Por unanimidade de votos, o Supremo Tribunal
Federal (STF) entendeu que a lei do Rio Grande do Sul que permite o sacrifício
de animais em ritos religiosos é constitucional. O Plenário da Corte finalizou
nessa quinta-feira (28) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 494601, no
qual se discutia a validade da Lei estadual 12.131/2004.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli,
registrou que todos os votos foram proferidos no sentido de admitir o
sacrifício de animais nos ritos religiosos e observou que as divergências dizem
respeito ao ponto de vista técnico-formal, relacionado à interpretação conforme
a Constituição da lei questionada. O Plenário negou provimento ao RE, vencidos
parcialmente o ministro Marco Aurélio (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes, que admitiam a constitucionalidade da lei dando interpretação conforme.
A tese produzida pelo Supremo é a seguinte: “É
constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade
religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de
matriz africana”.
Histórico
O recurso foi interposto pelo Ministério Público do
Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual
(TJ-RS) que negou pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual
12.131/2004. A norma introduziu dispositivo no Código Estadual de Proteção aos
Animais (Lei 11.915/2003)– que veda diversos tratamentos considerados cruéis
aos animais – para afastar a proibição no caso de sacrifício ritual em cultos e
liturgias das religiões de matriz africana. No STF, entre outros argumentos, o
MP-RS sustentou que a lei estadual trata de matéria de competência privativa da
União, além de restringir a exceção às religiões de matriz africana.
O julgamento do recurso teve início em agosto do
ano passado e foi suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Na ocasião, o ministro Marco Aurélio (relator) votou no sentido de dar
interpretação conforme a Constituição à lei estadual para fixar a
constitucionalidade do sacrifício de animais em ritos religiosos de qualquer
natureza, vedada a prática de maus-tratos no ritual e condicionado o abate ao
consumo da carne.
Em seguida, adiantando seu voto, o ministro Edson
Fachin reconheceu a total validade do texto legal e votou pelo desprovimento ao
RE. Para ele, a menção específica às religiões de matriz africana não apresenta
inconstitucionalidade, uma vez que a utilização de animais é de fato intrínseca
a esses cultos e a eles deve ser destinada uma proteção legal ainda mais forte,
uma vez que são objeto de estigmatização e preconceito estrutural da sociedade.
Voto-vista
Na sessão desta quinta-feira (28), o ministro
Alexandre de Moraes leu seu voto-vista pelo provimento parcial do recurso,
conferindo à lei do Rio Grande do Sul interpretação conforme a Constituição
para declarar a constitucionalidade de todos os ritos religiosos que realizem a
sacralização com abates de animais, afastando maus-tratos e tortura. Ele
acompanhou o voto do relator, porém entendeu que a prática pode ser realizada
independentemente de consumo. No mesmo sentido votou o ministro Gilmar Mendes.
Maioria
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto
do ministro Edson Fachin. Barroso afirmou que as sustentações orais
contribuíram para o fornecimento de informações e para a melhor compreensão da
matéria. Ele ressaltou que, de acordo com a tradição e as normas das religiões
de matriz africana, não se admite nenhum tipo de crueldade com o animal e são
empregados procedimentos e técnicas para que sua morte seja rápida e indolor.
“Segundo a crença, somente quando a vida animal é extinta sem sofrimento se
estabelece a comunicação entre os mundos sagrado e temporal”, assinalou.
Além disso, o ministro destacou que, como regra, o
abate não produz desperdício de alimento, pois a proteína animal é servida como
alimento tanto para os deuses quanto para os devotos e, muitas vezes, para as
famílias de baixo poder aquisitivo localizadas no entorno dos terreiros ou
casas de culto. “Não se trata de sacrifício para fins de entretenimento, mas
para fins de exercício de um direito fundamental que é a liberdade religiosa”,
concluiu.
A ministra Rosa Weber também negou provimento ao
RE. Ela entendeu que a ressalva específica quanto às religiões de matriz
africana está diretamente vinculada à intolerância, ao preconceito e ao fato de
as religiões afro serem estigmatizadas em seus rituais de abate. “A exceção
atende o objetivo que as próprias cotas raciais procuraram atingir”, afirmou.
No mesmo sentido, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a lei gaúcha é
compatível com a Constituição Federal e que eventuais abusos são abrangidos na
legislação federal aplicável ao caso.
Também o ministro Luiz Fux considerou a norma
constitucional. Segundo ele, este é o momento próprio para o Direito afirmar
que não há nenhuma ilegalidade no culto e liturgias. “Com esse exemplo
jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal vai dar um basta nessa caminhada de
violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz
africana”, salientou.
Da mesma forma, a ministra Cármen Lúcia considerou
que a referência específica às religiões de matriz africana visa combater o
preconceito que existe na sociedade e que não se dá apenas em relação aos
cultos, mas às pessoas de descendência africana. Ele citou, como exemplo, o
samba, que também foi objeto de preconceito em razão de quem o cantava. O
presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, acompanhou a maioria dos votos pelo
desprovimento do RE.
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