Os benefícios da aplicação da guarda compartilhada na busca do bem estar social e intelectual do menor e análise dos entendimentos jurisprudenciais nos Tribunais do Brasil. |
INTRODUÇÃO
O presente artigo faz uma análise dos pontos positivos da adoção do instituto da guarda compartilhada pelos genitores, visando o desenvolvimento e a inserção dos filhos na sociedade, abordando a evolução da legislação, doutrina e princípios relacionados, compilando jurisprudências inovadoras que vêm balizando o entendimento nos Tribunais de Justiça do Brasil e nos Tribunais Superiores.
OS BENEFÍCIOS DA GUARDA COMPARTILHADA
A guarda compartilhada foi estabelecida com o advento da Lei 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, trazendo representativo progresso para o Direito de Família brasileiro ao enraizar a igualdade entre os genitores, colocando o equilíbrio na divisão do tempo dos pais com os menores e a corresponsabilidade pela criação dos mesmos como fundamentos principais. Os artigos alterados encontram-se postos da seguinte forma[1]:
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:
I - (revogado);
II - (revogado);
III - (revogado).
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
§ 4º (VETADO).
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
§ 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.”
A redação dada aos artigos supramencionados encontra embasamento no artigo 229 da Constituição Federal, "que impõe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, independentemente de conviverem ou não com eles no mesmo lar”[2].
O artigo 1.583 do Código Civil, no seu parágrafo primeiro, conceitua a guarda compartilhada como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
É sabido que a prole necessita da presença de seus genitores para que se desenvolva intelectualmente, e, dessa forma, consiga se estabelecer na sociedade. Sabendo que o filho não é culpado pela separação dos pais, e sim quem mais sofre, a guarda compartilhada responsabiliza ambos os pais pela educação, assistência moral e material de forma igualitária[3].
Na guarda compartilhada, pai e mãe possuem direitos e deveres iguais no que diz respeito a seus filhos e, para não os prejudicar, devem buscar as soluções para seus desentendimentos, entrando em acordo nas decisões concernentes aos menores[4]. Nesse sentido, conceitua Maria Berenice Dias:
“Guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária”[5].
Nesse instituto, a prole possui um lar de referência com um dos guardiões[6]. Assim, o guardião que tem sua residência diversa da do menor tem o direito de conviver amplamente com ele, possuindo, ainda, todos os direitos e deveres que emanam do poder familiar[7]. Ademais, ambos os genitores deterão a guarda jurídica e psicológica dos infantes[8].
Importante destacar, ainda, que no instituto da guarda compartilhada, onde ambos os pais detêm a guarda jurídica e psicológica do menor em tempo integral, tomando em comum acordo as melhores decisões para seus filhos, inexiste a ideia de visitação.
Na esfera do direito de visitas dentro do instituto da guarda compartilhada assevera Paulo Lôbo:
“A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos. Nessa modalidade, a guarda é substituída pelo direito à convivência dos filhos em relação aos pais. Ainda que separados, os pais exercem em plenitude o poder familiar. Consequentemente, tornam-se desnecessários a guarda exclusiva e o direito de visita, geradores de" pais de fins de semana "ou de" mães de feriados ", que privam os filhos de suas presenças cotidianas”[9].
Assim, a guarda compartilhada, instituto que surgiu com a intenção de afastar os problemas causados ao menor advindos da imposição da guarda unilateral, tem como objetivo a diminuição do sofrimento, por parte das pessoas envolvidas em determinado núcleo familiar, causado pela ruptura da sociedade conjugal[10]. Tal objetivo é alcançado no momento em que os genitores conseguem colocar as necessidades dos filhos em detrimento da deles, deixando para trás todas as frustrações e incompatibilidades provenientes do divórcio ou dissolução da união estável[11].
No que concerne aos princípios aplicados à guarda compartilhada, diversos são os doutrinadores que abordam, em seus artigos, esse tema dentro da relação entre criança e pais. No entanto, um em especial é tratado pela unanimidade deles, o princípio do melhor interesse da criança.
Esse princípio encontra respaldo nos artigos 4º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente[12]. Segundo ele, devem sempre ser levadas em consideração as necessidades da criança em detrimento das necessidades dos pais. Esse princípio, também está previsto no artigo 3.1 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança[13], a qual, desde 1990, tem força de lei no Brasil.
Outro princípio de suma importância na adoção da guarda compartilhada é o da igualdade de gênero, referindo-se a ambos os genitores que, ao se divorciarem, possuem os mesmos direitos e deveres perante a prole. Esse princípio encontra embasamento nos artigos 5º, inciso I, e no artigo 226, § 5º, ambos da Constituição Federal[14]. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo, o princípio da igualdade “interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamento desiguais”[15].
Mais um princípio enraizado no instituto da guarda compartilhada é o princípio da dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
“[...] os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos [...] sob o aspecto de concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça, constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional positivo vigente”[16].
E continua:
“O reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana”[17].
Por fim, o princípio da afetividade também é de suma importância na aplicação da guarda compartilhada. Apesar de não estar expresso na Constituição Federal do Brasil, é um princípio que decorre da dignidade da pessoa humana. Pode-se dizer que o afeto está intimamente ligado ao amor, ao respeito e à família, pois o afeto é fundamental para que as relações familiares sejam bem-sucedidas e unidas.
Nesse sentido, assevera Paulo Lôbo:
“A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações. Assim, a afetividade é um dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. Por isso, sem qualquer contradição, podemos referir a dever jurídico de afetividade oponível a pais e filhos e aos parentes entre si, em caráter permanente, independentemente dos sentimentos que nutram entre si, e aos cônjuges e companheiros enquanto perdurar a convivência”[18]
Nesse sentido, temos na guarda compartilhada, um modelo onde os pais, que tiveram seus relacionamentos interrompidos pelos mais diversos motivos, necessitam estar em consonância para buscar, de forma amigável, as melhores soluções para seus filhos.
OS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA GUARDA COMPARTILHADA
A entrada em vigor da nova Lei de guarda compartilhada trouxe com ela diversas novas concepções dentro dos temas de família e poder familiar. Uma das mais expressivas foi o entendimento de que a separação do antigo casal deixou de ser vista como um fracasso, passando a ser entendida como uma simples transição entre dois modelos de família, onde deve-se buscar o melhor para a prole.
Nesse sentido foi o acórdão da 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, proferido na Apelação Cível nº 20131310073563, de relatoria do saudoso Desembargador Flávio Rostirola[19]. Vejamos:
FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA FAMÍLIA, DA SOCIEDADE E DO ESTADO. FAMÍLIA PLURISSOCIAL E SÓCIOAFETIVA. GUARDA COMPARTILHADA. CONFIGURAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AOS INTERESSES DA MENOR. DIGNIDADE HUMANA.1. Em seu art. 227, a Constituição Federal definiu a responsabilidade solidária da família, da sociedade e do Estado no dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,"com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".2. Os pais possuem o poder-dever da guarda, conforme art. 229, da Carta Magna e art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja perda, nos termos dos art. 35 e 129 dessa Lei, n.8.069/90, consubstancia medida punitiva aplicável àqueles que não atenderem à função e aos propósitos desse instituto, intrínsecos à dignidade humana.3. O significado de família foi consideravelmente ampliado pela Carta Política de 1988, sendo definida como núcleo socioafetivo e possibilitando plurais configurações. No contexto do Estado Democrático de Direito, a separação conjugal, antes considerada um fracasso cuja culpa era atribuída a um dos ex-cônjuges e a guarda ao outro, hoje significa mera transição entre dois modelos de família e a guarda é definida de acordo com a dinâmica familiar que mais atender aos interesses das crianças e dos adolescentes, segundo o Código Civil, art. 1583 e seguintes, devendo-se priorizar o modalidade compartilhada, haja vista a importância de ambos os pais na formação das crianças e dos adolescentes. Art. 1.584, § 2º, do Código Civil. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.4. A dinâmica familiar do caso vertente foi estudada pela Secretaria Psicossocial Judiciária deste Egrégio, no mês de abril de 2012, e, por meio de Parecer Técnico, sugeriu-se a guarda compartilhada. De tal estudo depreende-se que ambos os genitores podem oferecer aos filhos a atenção e os cuidados de que necessitam. A guarda compartilhada permite que as crianças tenham acesso aos dois núcleos familiares e que seus pais aprimorem sua capacidade de dialogar, o que vai ao encontro aos interesses dos infantes.5. Apelo provido. (Acórdão n.956246, 20131310073563APC, Relator: FLAVIO ROSTIROLA 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 20/07/2016, Publicado no DJE: 28/07/2016. Pág.: 116/125)
Ademais, com a mudança trazida pela nova Lei de guarda compartilhada no artigo 1.584 do Código Civil, no entendimento de alguns Desembargadores, este deve ser aplicado do modo como está expresso no referido artigo, ou seja, se ambos os pais estiverem aptos a exercer a guarda, esta só será afastada se um dos genitores declarar expressamente que não deseja possuir a guarda do menor.
Dessa forma, mesmo que um dos genitores seja revel no processo de regulamentação de guarda, tal revelia não será considerada como renúncia, devendo, ainda assim, ser aplicada a guarda compartilhada. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no âmbito do Recurso Especial nº 1773290/MT, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze[20]. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C.C. GUARDA DOS FILHOS E PARTILHA DE BENS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. GUARDA COMPARTILHADA DEFERIDA. REGRA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. REVELIA. EFEITOS QUE NÃO SE OPERAM NO CASO. IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR QUE O REQUERIDO TENHA RENUNCIADO TACITAMENTE À GUARDA DOS MENORES. DIREITO INDISPONÍVEL. NECESSIDADE, PORÉM, DE ANÁLISE DA GUARDA COM BASE NO MELHOR INTERESSE DOS MENORES. PARTICULARIDADES DO CASO QUE RECOMENDAM O DEFERIMENTO DA GUARDA UNILATERAL PARA A GENITORA. DECISÃO QUE PODE SER ALTERADA POSTERIORMENTE, DADO O SEU CARÁTER REBUS SIC STANTIBUS. RECURSO PROVIDO.1. Discute-se no presente recurso se a ausência de manifestação do réu no curso da ação de reconhecimento e dissolução de união estável c.c. guarda dos filhos e partilha de bens, com a consequente decretação de sua revelia, caracteriza renúncia tácita em relação ao interesse na guarda dos filhos menores, autorizando, assim, o deferimento da guarda unilateral em favor da parte autora.2. Após a edição da Lei n. 13.058/2014, a regra no ordenamento jurídico pátrio passou a ser a adoção da guarda compartilhada, ainda que haja discordância entre o pai e a mãe em relação à guarda do filho, permitindo-se, assim, uma participação mais ativa de ambos os pais na criação dos filhos.3. A guarda unilateral, por sua vez, somente será fixada se um dos genitores declarar que não deseja a guarda do menor ou se o Juiz entender que um deles não está apto a exercer o poder familiar, nos termos do que dispõe o art. 1584, § 2º, do Código Civil, sem contar, também, com a possibilidade de afastar a guarda compartilhada diante de situações excepcionais, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.4. Nos termos do que dispõem os arts. 344 e 345, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondentes aos arts. 319 e 320, II, do CPC/1973), se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor, salvo se o litígio versar sobre direitos indisponíveis.5. Sendo o direito de guarda dos filhos indisponível, não obstante admita transação a respeito de seu exercício, não há que se falar em presunção de veracidade dos fatos oriunda da revelia. Em outras palavras, a revelia na ação que envolve guarda de filho, por si só, não implica em renúncia tácita do requerido em relação à guarda compartilhada, por se tratar de direito indisponível.6. Todavia, tratando-se de demanda que envolve interesse de criança ou adolescente, a solução da controvérsia deve sempre observar o princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação do magistrado.6.1. Nessa linha de entendimento, independentemente da decretação da revelia, a questão sobre a guarda dos filhos deve ser apreciada com base nas peculiaridades do caso em análise, observando-se se realmente será do melhor interesse do menor a fixação da guarda compartilhada.6.2. Na hipótese dos autos, revela-se prudente o deferimento da guarda unilateral em favor da genitora, considerando a completa ausência do recorrido em relação aos filhos menores, pois demorou mais de 2 (dois) anos para ser citado em virtude das constantes mudanças de endereço, permanecendo as crianças nesse período apenas com a mãe, fato que demonstra que não tem o menor interesse em cuidar ou mesmo conviver com eles. 6.3. Ademais, na petição inicial foi consignado que um dos motivos para a separação do casal foi em razão"do convivente consumir bebidas alcoólicas e entorpecentes excessivamente"(e-STJ, fl. 10), o que não foi nem sequer levado em consideração pelas instâncias ordinárias ao fixarem a guarda compartilhada.7. De qualquer forma, em virtude do caráter rebus sic stantibus da decisão relativa à guarda de filhos, nada impede que o decisum proferido neste feito venha a ser modificado posteriormente, sobretudo se o recorrido manifestar seu interesse na guarda compartilhada e comprovar a possibilidade de cuidar dos filhos menores.8. Recurso provido.(REsp 1773290/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019)
Outra concepção que adveio com a nova Lei de guarda compartilhada, foi a de que o tempo de convívio físico dos pais com os filhos não deve ser igual, devendo ser levado em conta a participação de ambos os genitores nas tomadas de decisões relativas aos menores. Dessa maneira, abriu-se a possibilidade da guarda compartilhada ser deferida em casos onde os genitores residam em cidades e até estados diferentes.
Tal entendimento foi levado em conta pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, na Apelação Cível nº 20120110129610, que teve o Desembargador Sandoval Oliveira[21] como relator.
PROCESSO CIVIL E CIVIL. GUARDA E ALIMENTOS. MANUTENÇÃO DA GUARDA. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. NATUREZA DÚPLICE DA AÇÃO DE GUARDA E ALIMENTOS. POSSIBILIDADE DE PEDIDO CONTRAPOSTO NA CONTESTAÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. CARÁTER PROVISÓRIO. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. GUARDA COMPARTILHADA. PRIMAZIA. INTERESSE DA CRIANÇA. PAIS EM ESTADOS DIFERENTES DA FEDERAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE.1. Em sede de processo cautelar, a decisão interlocutória que indefere o pedido liminar não faz coisa julgada, tendo em vista que se trata de cognição sumária, sem elementos suficientes para elidir as dúvidas, razão porque necessário prosseguimento do feito, com o devido julgamento em sentença de mérito, considerando que somente assim põe-se fim à demanda, não havendo falar em nulidade por ofensa a coisa julgada.2. É cediço na doutrina que os pedidos de guarda e de alimentos têm a natureza dúplice, ou seja, tanto o autor como o réu buscam o mesmo bem da vida, pois ambos têm o mesmo interesse substancial, sendo diferentes no aspecto processual. Tanto é que esse tipo de ação permite o pedido contraposto feito no bojo da contestação.3. Deve ser considerada a relativização da coisa julgada quando se trata se alimentos, pois este instituto é dotado de caráter provisório, observando que a Lei 5.478/68, discorrendo sobre o tema, no seu art. 15, dispõe que"a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado".4. Aguarda compartilhada representa moderno instrumento voltado ao fortalecimento da convivência familiar e, sobretudo, ao desenvolvimento da criança num ambiente de solidariedade, cooperação e harmonia.5. O princípio do melhor interesse do menor serve como baliza e critério de ponderação judicial para a escolha da modalidade de guarda mais apropriada no caso concreto.6. Na guarda compartilhada, busca-se mais que a distribuição igualitária entre os pais do tempo de convívio com o menor, mas sim a possibilidade de participação dos genitores nas decisões para a criação do filho, razão pela qual a distância física dos genitores não importa em óbice na fixação da guarda compartilhada.7. Recurso da autora conhecido e desprovido. Recurso do réu conhecido e parcialmente provido.(Acórdão n.854452, 20120110129610APC, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Revisor: CARLOS RODRIGUES, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 11/03/2015, Publicado no DJE: 19/03/2015. Pág.: 200)
O entendimento usado no acórdão acima foi aprofundado pelos Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando da confecção do acórdão na Apelação Cível nº 20130110259773, de relatoria do Desembargador Alfeu Machado[22]. No caso, foi concedida a guarda compartilhada para ex cônjuges que viviam ambos no exterior.
O argumento usado para embasar tal decisão foi o de que a criança já estava acostumada com o modelo onde ambos os pais definiam seu futuro em conjunto, uma vez que tal modalidade de guarda já era usada antes da mudança dos pais para o exterior, e qualquer alteração repentina nessa relação poderia afetar o desenvolvimento emocional e intelectual do menor. Vejamos:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. GUARDA COMPARTILHADA. REGRA. AMBOS OS PAIS RESIDEM NO EXTERIOR. ESTUDO PSICOSSOCIAL. LAR DE REFERÊNCIA. MATERNO. GUARDA DE FATO EXERCIDA PELA GENITORA. AMBOS OS GENITORES POSSUEM CONDIÇÕES PARA EXERCER OS CUIDADOS DA PROLE. CRIANÇA BEM ADAPTADA. RESPEITO À SITUAÇÃO VIVENCIADA. FAMÍLIA RECOMPOSTA. MUDANÇA PARA O EXTERIOR. POSSIBILIDADE. SOLUÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. VERIFICAÇÃO. DIREITO DE VISITAS FIXADO. REGRA REBUS SIC STANTIBUS. SENTENÇA MANTIDA.1. É cediço que o direito de guarda é conferido segundo o melhor interesse da criança e do adolescente. A orientação dada pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência releva a prevalência da proteção integral do menor. Portanto, tratando-se de investigação sobre quem deve exercer a guarda de um infante, impõe-se que o julgador perscrute, das provas contidas nos autos, a solução que melhor atende a essa norma, a fim de privilegiar a situação que mais favorece a criança ou ao adolescente.2. O ordenamento jurídico pátrio estabelece que, quando não houver acordo entre os genitores sobre a guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada (CC, art. 1.584, § 2º).3. Na hipótese, a infante demonstrou estar bem adaptada ao contato diário com a mãe e o atual companheiro desta. Com isso, a priori, à mingua da demonstração de circunstâncias efetivamente prejudiciais à criança, a autorização para que ela passe a residir no exterior com seus parentes encerra medida razoável.4.A excepcionalidade dasituação retratada nos autos, em que a genitora iniciou relacionamento com um cidadão dos Estados Unidos então residente no Brasil e posteriormente resolveu contrair núpcias e se mudar para outro país, em que o cônjuge prestará serviço diplomático, por si só, não pode resultar em óbice para o exercício da guarda, nem tem o condão de alterar a situação fática da menor, sobretudo porque verificado que está inserida em ambiente familiar saudável, ex vi do estudo psicossocial levado a efeito na lide, sem esquecer que, enquanto na posse de um dos genitores, o outro teve assegurado o direito de visitas à filha, com os custos às expensas do outro.5. Extraordinariamente, embora os pais residam distante, estando morando no exterior, o que de regra impossibilita que eles exerçam a guarda conjunta da filha, mas considerando que a criança, ao fim e ao cabo, permaneceu sob os cuidados maternos por no mínimo mais três anos, e que, de qualquer sorte, a guarda definida traz em si a regra rebus sic stantibus, podendo ser modificada a qualquer momento caso sobrevenham motivos relevantes não verificados por ocasião da sua fixação, deve-se manter a determinação de guarda compartilhada, ainda que consubstanciando verdadeira guarda alternada, porquanto, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, neste momento, é mais recomendável conservar essa regulação a fim de se evitar prejuízos ao seu desenvolvimento emocional e intelectual, uma vez que já residindo no exterior com sua família recomposta, sem olvidar também que nem a genitora nem o Ministério Público impugnaram o modelo adotado e que o parecer técnico anexado ao processo a rigor não o infirmava.6.RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.(Acórdão n.943500, 20130110259773APC, Relator: ALFEU MACHADO 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/05/2016, Publicado no DJE: 02/06/2016. Pág.: 227-250)
Outra inovação jurisprudencial acerca do tema é que a aplicação da guarda compartilhada não afasta o arbitramento de pensão alimentícia, uma vez que o que se compartilha é apenas a responsabilidade pela formação, saúde, educação e bem estar dos filhos, devendo ser observado o binômio “possibilidade x necessidade” para adequação do dever de prestar alimentos e o montante a ser arbitrado.
Nesse sentido entendeu a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando do julgamento da Apelação Cível nº 70073991564, de relatoria da Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro[23]. Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA E EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. 1. Guarda compartilhada determinada na sentença e que deve ser mantida, estabelecendo-se como residência base a materna, com ampliação da visitação paterna. Melhor interesse da criança. 2. Descabe a exoneração da verba alimentar , pois, consoante entendimento pacífico na jurisprudência do TJ/RS, o estabelecimento da guarda compartilhada não autoriza a exoneração dos alimentos. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJ-RS - AC: 70073991564 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 26/07/2017, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 31/07/2017).
O entendimento jurisprudencial evoluiu, também, no sentido de, visando o princípio do melhor interesse da criança, a guarda compartilhada poder ser atribuída aos pais do menor juntamente com os avós, conforme entendimento emanado pela 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, quando do julgamento da Apelação Cível nº 0704482-67.2017.8.07.0006, de relatoria do Desembargador Luís Gustavo B. de Oliveira[24], vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. COMPARTILHAMENTO DA GUARDA DE CRIANÇA ENTRE O PAI E OS AVÓS MATERNOS. POSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DA INFANTE. MUDANÇAS BRUSCAS NAS RELAÇÕES AFETIVAS PARENTAIS, MORADIA E ROTINA DA MENOR. CIRCUNSTÂNCIAS DESACONSELHÁVEIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A doutrina ensina que a família natural é aquela composta pelos pais ou descendentes. Por outro lado, família extensa ou ampliada abrange os parentes próximos como tios e avós. Segundo a jurisprudência STJ, há uma ordem hierárquica de presunção de maior bem-estar para a criança e o adolescente, em relação ao ambiente em que deve conviver: família natural, família extensa e família substituta. 2. O objetivo das Leis 11.698/2008 e 13.058/2014, que alteraram o § 2º do art. 1584 do CC, foi o de estabelecer a guarda compartilhada como a regra no direito brasileiro, calcadas na premissa de que ambos os pais têm igual direito de exercer a guarda dos filhos menores e que esse exercício seria saudável à sua formação. 3. O compartilhamento da guarda visa preservar o melhor interesse da criança e do adolescente, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 1º da Lei 8.069/90. Dessa forma, é aplicada independentemente de concordância entre os genitores, resguardado o pleno desenvolvimento do infante. 4. Tendo em vista o melhor e o superior interesse da criança, nada impede o estabelecimento da guarda compartilhada entre pai ou mãe e avós materno ou paternos. 5. Ainda que numa família natural remanesça um genitor, é preciso ponderar para fixação do regime de guarda a situação específica em que a infante tem relação estreita com os avós (família extensa) desde os primeiros meses de sua vida e que tal convívio ameniza o luto pelo falecimento recente de sua genitora. Situação confirmada pelo parecer técnico que aconselha a guarda compartilhada, pois do contrário traria reflexos negativos na rotina e no desenvolvimento psicológico da criança. 6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJ-DF 07044826720178070006 - Segredo de Justiça 0704482-67.2017.8.07.0006, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 20/02/2019, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/02/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Como visto, a jurisprudência pátria, no que se refere à aplicação da guarda compartilhada de menores, vem atualizando seu entendimento com o tempo, se adaptando às evoluções da sociedade e buscando sempre o melhor para os filhos, mais afetados com o rompimento da relação conjugal entre os pais.
CONCLUSÃO
O instituto da guarda visa preservar a convivência, dentro de um modelo de família, entre a prole e seus genitores, diante de um rompimento dos ex cônjuges. No entanto, algumas modalidades de guarda não cumprem efetivamente essa função, a exemplo da guarda unilateral, dado que nessa modalidade de guarda somente um dos genitores é o responsável por tomar todas as decisões referentes ao filho, enquanto que o outro genitor apenas tem o direito de visitação e o de fiscalização da guarda exercida.
Com o intuito de alterar esse quadro para aplicar da melhor maneira possível o princípio do superior interesse da criança, adveio a guarda compartilhada, que trata-se de um instituto que tem como finalidade proporcionar ao menor um contato habitual com seus pais na medida em que os genitores possuem igualdade de direitos e deveres no que concerne aos filhos. Vale ressaltar, a guarda compartilhada, ao dispor que os genitores possuem as mesmas responsabilidades com relação à prole, é a melhor forma de conservar o exercício do poder familiar após a ruptura de uma relação afetiva entre os ex cônjuges.
Ademais, importante destacar que a jurisprudência brasileira, no que se refere à aplicação do instituto da guarda compartilhada, vem se modernizando e se adaptando, buscando moldar-se aos anseios da sociedade, analisando caso à caso, sempre visando a aplicação do princípio do melhor interesse da criança.
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